Dharun Ravi
homofobia
Ian Parker
Molly Wei
reportagem
revista
the new yorker
tradução
Tyler Clementi
Universidade Rutgers
A história de um suicídio (parte VIII)
Dois universitários, uma webcam, e uma tragédia.
Tradução livre: J. Fagner
Ravi voltou para o quarto de Wei. Ela comenta o ocorrido dizendo: “o
cara tinha uma aparência de velho, do tipo que você se pergunta:
mas que diabos, o que estava acontecendo?”. Na visão de Ravi, MB
parecia uma pessoa “realmente sombria”. Ela continuou: “Na
verdade, ele estava com muita raiva. Dizia coisas como, ‘Se aquele
cara roubar meu iPad eu vou fazer Tyler pagar por isso’. E também:
‘meu colega de quarto é gay. Consegue imaginar o que está
acontecendo lá agora?’” Em depoimento à polícia , Ravi
descreveu M.B. como “levemente acima do peso”, com o cabelo em
cima do rosto, todo bagunçado. A reação de Ravi parecia incluir
algum preconceito de classe: o homem, aparentemente da classe
trabalhadora, era um possível ladrão. Ele era “um Zé ninguém”,
ou como um dos amigos de Molly Wei classificou depois, era uma pessoa
de um universo diferente.
Foto: Divulgação
Tyler Clementi |
Se Ravi estava tão desorientado como afirma Wei, pode-se entender o
porquê Clementi estava hesitante em falar sobre cortinas, mesmo
assim, após menos de um mês de convivência, ele tinha chutado para
fora seu companheiro de quarto para que pudesse ter uma relação
sexual com um homem mais velho que não tinha a pretensão de ser seu
namorado. Ravi talvez tenha notado o contraste entre a sua própria
agitação – em atos desesperados de autopromoção – e a
tranqüilidade de Clementi, inabalável seguindo no caminho de suas
realizações. Tam Jason me disse que nunca ficou sabendo que Ravi
tenha tido uma namorada.
De acordo com Tam, Ravi já tinha explorado usos pouco ortodoxos para
webcams. Para um projeto de física, durante o colégio, Ravi tinha
tentado vincular uma webcam a um protótipo de arma em formato de
bobina. No verão que antecedeu sua entrada na faculdade ele escreveu
um programa de computador que fazia webcams tirar fotografias a cada
determinado intervalo de tempo e as enviava para um site. Ele
disfarçou o programa como se fosse outra coisa, e tentou fazer com
que os amigos instalassem em seus respectivos computadores. Alguns
fizeram, disse Tam, mas eles não estavam sendo enganados: eles
“notaram a luz da webcam sendo ativada, era muito óbvio”
(Clementi, aparentemente não foi o primeiro experimento com webcam).
Tam pensa na noite de 19 de setembro, quando Ravi lhe disse que
pretendia usar uma webcam para ver porquê Clementi tinha começado a
pedir uso exclusivo do quarto.
Um bate-papo online em formato de vídeo, usando um aplicativo como o
iChat ou Skype, começa como uma chamada de telefone: uma pessoa
solicita uma conversa, e o receptor deve aceitar a solicitação. Mas
Ravi havia ajustado suas configurações do iChat para que o programa
pudesse aceitar automaticamente as chamadas recebidas. Segundo Ravi,
essa era a forma que ele sempre configurava seu computador. Seja qual
for o caso, naquela noite o programa foi configurado para
auto-aceitar, ele também desligou o monitor, ou escureceu a tela. Às
21h e 13min ele estava ao lado de Wei em frente ao computador dela.
Ele abriu o iChat, e clicou em seu nome em sua lista de bate-papo. A
poucos metros dali, o seu computador aceitou automaticamente o
pedido, e Ravi e Wei viram uma imagem em vídeo ao vivo do quarto 30.
De acordo com Wei, ela e Ravi viram “Tyler e seu amigo, ou quem
quer que fosse, e a parte superior de seus corpos”. Lembrou-se que
os dois homens estavam completamente vestidos, de pé contra a porta.
(Ravi disse mais tarde que estavam sem camisa). “Eu não podia ver
nenhum rosto, e eles pareciam estar se beijando, e, depois de,
literalmente, apenas dois segundos, desliguei. E nós estávamos em
choque, porque eu nunca havia visto nada parecido”. Ravi contou à
polícia: “Eu me sentia realmente desconfortável com aquilo tudo e
quase culpado em ter visto”. Wei lembrou: “No início, estávamos
os dois, tipo, ‘Oh, meu Deus, não podemos contar a ninguém sobre
isso, vamos fingir que isso nunca aconteceu”.
Ravi resolveu não divulgar, mas a experiência durou três ou quatro
minutos. Às 21h e 17min, ele havia twittado: “O colega pediu o
quarto até meia-noite. Fui ao quarto da Molly e liguei minha webcam.
Eu o vi saindo com um cara. Opa”. Antes de Ravi ter sua conta no
Twitter bloqueada alguns dias depois, ele tinha cerca de cento e
cinqüenta seguidores, a maior parte composta por amigos do colégio.
É possível que ele ainda imaginasse sua audiência no Twitter como
um grupo que não ultrapassasse o número de seguidores. Na verdade,
o público atingia qualquer um que pesquisasse no Twitter pelo termo
“Dharun”. Talvez Ravi não esperasse que Clementi lesse seu
tweet, ou talvez ele não tenha se preocupado em considerar essa
possibilidade. A solução dessa questão pode se tornar importante
para o júri, dado o aparente conflito entre a acusação de invasão
de privacidade somado ao viés de intimidação, que recaem sobre
Ravi. Intimidação e não espionagem.
Logo após Ravi twittar, Molly Wei começou uma conversa com Austin
Chung, seu namorado na época, um estudante universitário em
Hoboken. Wei começou, “OMG [oh my god] AUSTIN” e, em seguida:
“OH MEU DEUS TODO PODEROSO”. Ela entregou o teclado a Ravi, que
contou a história do convidado, da webcam, dos abraços, e logo
depois lhe devolveu à digitação. Chung perguntou: “VOCÊS
TIRARAM UMA FOTO?”, e ela respondeu que eles deveriam ter tirado,
mas acrescentou: “Não, seria terrível”. Chung disse que a
notícia fez com que sentisse vontade de “vomitar”, e que achava
que Clementi era “um maluco”. “Wei respondeu: “Ele é legal,
mas o outro está beijando um cara agora / como se estivessem
Tateando CADA PEDAÇO UM DO OUTRO”.
É possível que este horror desproporcional que Wei sentia não
tenha surgido apenas a partir de pensamentos sobre homossexualidade,
mas do conjunto das muitas surpresas daquela noite: Clementi, apesar
de nerd, mantinha relações sexuais; pelo fato dele ter chutado Ravi
para fora de seu quarto; pelo fato do seu parceiro não ser um
estudante. Os promotores, buscando respaldar a acusação de viés de
intimidação, em referência ao tweet de Ravi, perguntaram: “Se a
palavra ‘pinto’ fosse substituída por ‘almofadinha’ nesse
mesmo tweet, será que teria gerado o mesmo interesse?”. Mas,
pode-se imaginar que, caso fossem parceiras femininas no quarto 30,
Ravi escreveria um tweet sarcástico a respeito da idade, aparência
ou gostos sexuais. Qualquer coisa poderia tê-lo inspirado a tirar um
sarro com o colega.
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