Dharun Ravi
homofobia
Ian Parker
Molly Wei
reportagem
revista
the new yorker
tradução
Tyler Clementi
Universidade Rutgers
A história de um suicídio (parte X)
Dois universitários, uma webcam e uma tragédia
Reportagem de Ian Parker
(Publicada originalmente na Revista New Yorker)
Tradução livre: J. Fagner
A conversa de Clementi com Yang terminou uma e trinta e sete da
madrugada. Quarenta e cinco minutos depois, Clementi escreveu uma
mensagem para o site Justusboys. Ele estava visivelmente abatido, mas
não se sabe se essa tristeza teria sido causada pelo fato dele ter
sido forçado a se assumir. Há registros, apenas, das mudanças de
humor de Clementi nas semanas e meses anteriores. Não existiam
suspeitas de que ele não gostasse da escola, mas havia três
arquivos em seu computador, escrito entre julho e início de
setembro, com os seguintes nomes: Gah.docx, desculpe.docx, e porque
tudo é tão doloroso.docx, cujos conteúdos ainda são
desconhecidos. Talvez seja significativo que, por sua iniciativa, ele
e sua mãe tenham feito excursões por várias pontes ao redor de New
York e que tenha guardado, na memória do seu celular, fotografias
que tirou da ponte George Washington. Paul Mainardi, o advogado, se
pergunta se Tyler estava “pensando na possibilidade de suicídio”
antes de entrar para a faculdade.
Divulgação
Agora Clementi via o risco de que aquele episódio assustador se
transformasse em um escândalo que ele não estava preparado para
lidar. Ele tinha coisas para proteger: tinha entrado para a
faculdade, havia conquistado um novo amor, um novo lar. Ele e Ravi
mantinham uma convivência cautelosa, baseada em não comentar,
online, o que um sabia sobre a vida do outro. Ravi era subserviente,
mas era uma subserviência num sentido de discrição, afinal, ele
não tinha coragem de falar o que sentia cara a cara.
Clementi perguntou, no Justusboys, o que fazer na seqüência:
Eu poderia apenas ser mais cuidadoso da próxima vez. . . me
certificar de virar a câmara em outra direção. . .maaassss. . . Eu
estou meio chateado com ele (acho que justamente por isso, sabe?) e
eu não sei . . se eu pudesse. . . seria bom vê-lo angustiado.
Eu não sei, mas se ele me colocar numa situação complicada, quer
dizer… . . ele nunca viu nada de pornográfico, ele nunca gravou
nada. . .
Eu sinto que a única coisa que a faculdade poderia fazer era me
arrumar outro colega de quarto, provavelmente eu teria que sair. . .
e provavelmente acabaria com alguém pior que ele. . . . Quer dizer,
apesar de ser um idiota de vez em quando, ele é um é um cara legal.
Ele logo recebeu respostas de apoio. Uma das quais lhe pedia para não
denunciar Ravi, por medo de que ele poderia “piorar as coisas”.
Pouco antes das quatro da manhã, com Ravi provavelmente dormindo a
poucos metros de distância, Clementi se conectou para visitar o site
de habitação da Universidade de Rutgers para pedir uma mudança de
quarto (Sua justificativa: “Colega de quarto usando webcam para me
espionar”). Logo depois, ele estava postando novamente no
Justusboys. Provavelmente ele tinha lido o que os amigos de Ravi
escreveram no Twitter e no Facebook, e estava desanimado, com o fato
de que ninguém no círculo de Ravi discordou do comportamento do
amigo. Clementi escreveu: “outras pessoas têm feito comentários
no perfil dele: ‘como você conseguiu voltar lá? ’ Você está
bem? Ou seja, estão se preocupando com o meu comportamento quando eu
gostaria de dizer… ele estava me espionando… será que ninguém
vê nada de errado nisso?”.
Às 4:45 da manhã, ele pediu conselhos no Yahoo Respostas. Alguém
identificada como Jennifer respondeu, “denunciá-lo. O que ele está
fazendo é completamente inadequado”. Ela acrescentou: “Não
quero ser cruel, mas se você não tiver coragem de assumir o
controle da situação, isso não vai melhorar”.
Clementi pesava o seu dilema. Foi quase ao amanhecer, que escreveu:
“Eu não estou apenas advogando em causa própria e tenho medo que
se eu for para o lado errado, não conseguirei a ajuda de que
preciso”. Ele continuou, “Eu estou apenas preocupado com essa
grande confusão gerada pelos comentários de uma pessoa que eu serei
obrigado a conviver até o final do semestre, porque afinal de
contas, do jeito que essa administração é estúpida há chances de
me arrumarem um colega de quarto ainda pior”.
Na terça, dia 21 de setembro, Clementi convidou M.B. para uma nova
visita ao seu quarto. No final da tarde, ele mandou uma mensagem para
Ravi: “Eu poderia usar o quarto novamente das 9:30 até a
meia-noite?” Ravi respondeu: “Sim, não há problema”, e, em
seguida, enviou um texto para Molly Wei: “Ele quer usar o quarto
de novo”, ela respondeu: “?!? WTF “.
Ravi tinha tudo planejado de forma metódica, de modo que isso pode
representar o maior dos desafios para o seu advogado. “Invasão de
privacidade” é um crime previsto pelo estatuto Peeping Tom. A
acusação de invasão de privacidade em quarto grau se refere ao ato
de observar alguém, sem consentimento, “nas circunstâncias em que
uma pessoa conscientemente sabe que outro pode expor partes íntimas
ou se envolver em algum tipo de contato ou manifestação sexual”.
A invasão de privacidade em terceiro grau é referente ao ato de
divulgar imagens sem o consentimento. Como “um filme, fotografia,
vídeo, gravação ou reprodução de outro” de alguém, “cujas
partes íntimas foram expostas”, ou que foi flagrado em contato
sexual. Ravi é acusado de ter feito as duas coisas, naquele dia 19
de setembro, e de ter tentado repetir o mesmo ato em 21 de setembro
(Em ambas as datas, a intimidação e o preconceito estão ligados,
criando o risco de ser condenado a uma longa pena de prisão). Com a
devida interpretação dos atos de Ravi do dia 19 de setembro, talvez
se pudesse montar o argumento de que o contato sexual não era
esperado, que ele não fez nenhuma gravação, que a transmissão foi
extremamente limitada em termos de tempo de duração e alcance, e
que ninguém viu partes do corpo, atos sexuais ou algo de cunho
íntimo. No entanto, no dia vinte e um, Ravi tentou transmitir para
outros a visualização.
Às 05h 20min da tarde, Ravi tweetou, “6 pés de caranguejo na
parede, lagosta e camarão. Eu amo Rutgers”(Era a noite do Rei
Netuno na Sala de Jantar). Às 06h 39min ele ainda seguia nesse ritmo
“Desafio qualquer um que tenha [conta no] iChat, a entrar na minha
videoconferência das nove e meia à meia noite. Sim, está
acontecendo de novo”. Alissa Agarwal, uma estudante que mora no
pavilhão C do Davidson, e que andava pelo campus com Ravi, e outros,
naquela noite depois do jantar, disse à polícia que, embora ele
estivesse fora do seu “território”, ela o ouviu “se gabar”
sobre seu plano para transmitir as informações de Clementi. O grupo
foi ao quarto de Agarwal. Os promotores alegam que, às 07h 44min da
noite, Ravi usou o computador de Agarwal para tentar se conectar via
iChat com o seu próprio computador.
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