Entrevista com Lúcio Luiz e Eduardo Sales

Podcast Papo de Gordo: Membros do programa falam sobre a podosfera nacional.



Por conta de uma pauta para o Jornal ENTREVISTA, que era sobre podcast, saí pedindo ajuda para um monte de gente no Twitter. Para minha sorte todos foram muito atenciosos e pacientes comigo. A matéria saiu (de página inteira), mas muita coisa foi cortada por falta de espaço. O texto teve que se adequar ao público do jornal e acabou ficando num formato “podcast para leigos”. A coleta de material durante a confecção desta matéria foi muito boa e eu não queria desperdiçar. Resolvi, então, publicar aqui no Segunda Leitura. A primeira entrevista foi a realizada com Lúcio Luiz e Eduardo Sales Filho do Podcast Papo de Gordo. Espero que vocês curtam. Assim que for possível eu posto o áudio.



J. Fagner - Conversando com a Ana Estela, da Folha de São Paulo e dando uma olhada nos podcasts produzidos pela Folha e Estadão, eu observei que existe uma tendência muito grande a se reproduzir a matéria feita para o impresso numa simples versão lida e gravada em áudio. Nisso você acaba não abarcando um público tão grande, a maior parte das pessoas que consomem podcast hoje, no Brasil, é voltada para os podcasts que não são, necessariamente, produzidos pelas empresas de comunicação tradicionais. Eu reparei que pessoas como você e o (Fernando) Russel são publicitários, o Luciano Pires é jornalista, mas todos trabalham numa linha de “jornalismo opinativo”. Fazendo uma pergunta um tanto capciosa eu gostaria de saber de vocês: por que, que a mídia mais tradicional ainda não aderiu a esse molde mais opinativo? Por que ainda estão presos a questão do lead e daquele jornalismo mais preso ao modelo norte americano e àquelas regrinhas de escrita? 


Eduardo Sales Filho – Lúcio, você é jornalista, responda! 



Lúcio Luiz – Tá, tudo bem! Olha... Assim, eu acho... Opinião pessoal, né? Uma possibilidade é que a mídia tradicional... Ela tem um pouco de receio de opinião. Até mesmo porque opinião demanda responsabilidade jurídica sobre o que você opina... E tudo mais. Tanto que as sessões de opinião nos jornais ou até na televisão, são muito bem caracterizadas como: “é opinião daquele colunista, opinião daquele articulista e a gente não tem nada com isso”. Como o podcast tem essa característica mais solta, um pouco mais informal, e normalmente não é feito por jornalistas ou por pessoas que estejam com essa preocupação, aí fica mais fácil, porém, quando está envolvido com a mídia mais tradicional, aí você fica um pouco limitado àquilo que eles têm como parâmetro jornalístico. Tanto que, eu não sei se você lembra, teve um tempo atrás que a Folha proibiu todos os seus articulistas/jornalistas de usarem o Twitter. 



J. Fagner – Certo, eu entendi perfeitamente isso. Vocês devem conhecer o programa Fim de Expediente da (emissora de rádio) CBN que é apresentado nas sextas às 7 da noite ... 



Eduardo Sales Filho – An-ham! 



J. Fagner –... Então, você vê que é uma linha mais opinativa, mais solta. Tudo bem, é um programa produzido para rádio e depois veiculado como podcast, não é necessariamente podcast porque o conteúdo não é feito exclusivamente para internet, é um programa de rádio que depois fica disponível para download. Mas, você vê que de certa forma tenta simular um programa jornalístico, um programa de bate papo, entrevista e tal. E ele foge um pouco disso (do modelo consagrado). E tem a Folha produzindo podcast numa linha que eu diria no mínimo ultrapassada. Ela já entra no mercado ultrapassada. Eu moro aqui em Santos e o maior jornal daqui da região é o Jornal A Tribuna e eles estão construindo um novo site para produzir podcast na mesma linha. Primeiro: vocês consideram que esse podcast feito por empresas como a Folha e o Estadão e afins são verdadeiramente podcast? Porque eu entrevistei uma outra pessoa hoje que disse que na verdade seria só um áudio blog, a matéria lida e nada mais, que não poderia ser classificado como podcast, primeiro porque não tem feed, aí a gente retoma uma outra discussão, segundo que não tem uma periodicidade definida. Qual a opinião de vocês sobre isso aí? 

Eduardo Sales Filho – O Lúcio que é o estudioso da história, ele pode até se aprofundar na definição de podcast, mas, assim, por definição – eu sei que está sendo bem redundante isso – mas, se não tem feed não é podcast. Pode chamar da porra que você quiser, mas o feed faz parte de todo um conceito criado lá, para o podcast. Em relação a ser basicamente uma matéria lida, isso não é necessariamente um problema. Você partindo de um princípio (que) quando uma nova mídia surge a primeira coisa que se faz com essa nova mídia é adaptar conceitos da mídia antiga e levar para lá, faz sentido. A Folha gera conteúdo, gera matéria, gera texto, alguém pegar lá e ler esse texto e colocar na internet não é algo inadmissível, agora chamar de podcast sem feed não rola. 

J. Fagner – ééé... 



Lúcio Luiz – Tá, complementando... 



J. Fagner – Sim, por favor! 



Lúcio Luiz – Isso realmente é uma questão importante: não tem feed não é podcast, e... Agora se você pega um programa originalmente de rádio, coloca na internet e disponibiliza com feed aí que vem a questão que algumas pessoas vão discordar, alguns vão dizer que é podcast outros que não. 
Assim como vem a... eu mesmo não tenho resposta definitiva sobre isso. Por exemplo: um (pod) cast que passa numa rádio, ele se torna um programa de rádio ou continua sendo um podcast? São questões que ainda não dá para definir claramente. Igual a um filme feito para a televisão, é cinema? Ou não? Só é cinema aquilo que vem necessariamente do cinema? Agora, a questão do feed não tem jeito. Não tem feed não é podcast. 


J. Fagner – Sei! 
Continuando então, me digam uma coisa: a pergunta é válida para os dois o Dudu ta saindo pela tangente dizendo que o estudioso é o Lúcio... 


Eduardo Sales Filho – É que o Lúcio é o especialista, eu só faço essas coisas, entendeu? É diferente. O Lúcio é um estudioso de verdade, o Lúcio tem artigos... 



Lúcio Luiz – Eu sou o teórico e ele é o prático! 


Eduardo Sales Filho – É isso aí. O Lúcio tem artigos sobre podcast por isso que estou falando que ele é o...



Lúcio Luiz – Mas, o Dudu bota a mão na massa também, então toda a parte de produção ele conhece bem mais do que eu porque ele faz na prática. 


J. Fagner – Certo! É... Você estava falando sobre essa necessidade do feed... É... A questão da periodicidade a gente não tocou. O podcast não precisaria ter uma periodicidade definida?



Eduardo Sales Filho – Olha, para o seu ouvinte o ideal é que você tenha uma periodicidade definida sim. Mas, ter uma periodicidade não é o ponto crucial para você ter... Ser um podcaster. O Escriba Café, por exemplo, é um podcast ótimo, maravilhoso, ganhou vários prêmios, mas ele não tem periodicidade. Há muito tempo o Christian diz que vai fazer a cada 15 dias, ou no dia 10 de cada mês ou (a cada) dez dias. O último que saiu já deve ter uns 45 dias já, mas ainda assim, na hora que sai todo mundo corre para baixar porque são episódios bons. Periodicidade não é um ponto crucial para definir como podcast (sic). Mas, para você conquistar e manter o ouvinte fiel periodicidade é importante sim. 


Lúcio Luiz – A não ser que compense (com) uma qualidade muito alta que nem o Escriba Café.



Eduardo Sales Filho – (Interrompendo) Que é o caso do Escriba, pois é. 



Lúcio Luiz – Agora, o importante é você ser sincero com o ouvinte. Se você falar que é quinzenal é quinzenal, se você falar que é semanal é semanal. Você tem o direito de falar que saí quando for possível. Aí beleza, mas que você seja sincero. 



J. Fagner – Compreendo. 


Para terminar aqui, então, a questão da publicidade. Desta vez o Dudu não pode fugir pela tangente. A gente tem aí o Nerdcast que consegue viver da publicidade, o Luciano Pires conseguiu agora o patrocínio do Itaú Cultural, acho que o RapaduraCast se mantém também através da questão da publicidade, mas de uma forma geral o podcast brasileiro não decolou ainda. Qual o problema do podcast nacional? Por que, que a gente não consegue fazer que isso seja comercialmente viável? Você pega (os) Estados Unidos, por exemplo, e as pessoas conseguem realmente ter retorno disso.


Eduardo Sales Filho – Eu não sei. Se você descobrir você me conta, tá certo? Que eu quero ganhar dinheiro. Agora, baseado de novo, única e exclusivamente em achismo e tentativa e erro de verdade, são vários fatores: o primeiro fator é que boa parte das empresas ou agências não entende, não gosta, não conhece, não aceita podcast. 



Podcast traz alguns problemas, um deles é a dificuldade de você fazer mensuração de resultado. Tá certo que em rádio, em jornal, em TV a mensuração de resultados é baseada no número de impressões que um comercial teve ou na audiência que teve na TV e tal. Mas, em web a gente está acostumado a medir resultado baseado em cliques, a medir resultados baseado em visualização de um anúncio e podcast não tem isso. (No) Podcast o máximo que você pode fazer é dizer que teve X downloads. E ainda assim esse número não corresponde a realidade definitiva. Então a métrica já é um problema. Quando você trabalha com propaganda em web a métrica é um troço importante. 
 
O outro ponto: como não é uma mídia absurdamente difundida, como não tem um público tão grande assim que acessa... Que escuta podcast, o problema cai para um outro ponto que é: você não tem muito público, então você não vai ter nenhum anunciante, ou poucos anunciantes pelo menos estarão dispostos a investir naquele nicho específico em que você atua. Então, programas com muita audiência inevitavelmente vão acabar tendo patrocinadores primeiro, anunciantes primeiro. E eles vão ter um número maior para ser mostrado. O ponto central de “porque é que a mídia não pega no Brasil, como mídia para escutar”, eu acho que passa pelo fator da... 


Escutar podcast dá muito trabalho. Mesmo você assinando um feed envolve uma série de comprometimentos pessoais. Você tem que ir no site da pessoa, assinar o feed, aí ele vai abrir o programa para ele baixar, para depois você sincronizar com o seu celular ou sincronizar com seu iPod. Ou, se você não assina o feed, ir até o site, baixar, passar para um lugar... Ou, se você não faz nada disso, ir até o site apertar o play. Então, assim, envolve um comprometimento maior de sua parte e eu acho que a geração atual talvez não esteja tão disposta assim a esse nível de comprometimento. Tanto é que, ainda hoje quem escuta... 


Os primeiros a escutarem podcast era a galera que trabalhava com tecnologia, estavam mais afeitos a esse tipo de coisa. E ainda hoje o grande público não faz idéia do que é podcast. A definição central para as pessoas entenderem é a boa e velha: “é tipo um programa de rádio só que na internet”.


Lúcio Luiz – Eu complementaria isso traçando um paralelo com os Estados Unidos, por exemplo, lá, toda essa dificuldade, digamos assim, de se assinar um podcast, ela minimiza absurdamente quando você tem uma rede de banda larga bem ampla, um 3G que funciona e um iPhone, por exemplo... Você tem uma facilidade incrível de... É... Baixar um podcast sem nem saber o que é feed. Se você entrar no iTunes na loja americana você vai encontrar uma quantidade absurda de podcast. E não só nesse, meu celular da Nokia tem uma forma prática de baixar podcast. O problema é que, no Brasil, isso ainda não está difundido. 



Outro exemplo que a gente pode fazer, para traçar um paralelo, se você fizer uma pesquisa simples na Amazon, você vai encontrar uma quantidade enorme de livros que colocam o podcast no mesmo patamar que blogs e também no mesmo patamar que Twitter. Colocando eles como mídias sociais importantes inclusive livros voltados especificamente para monetização. Por quê? Porque lá existe um público grande que ouve podcast e um público grande que mesmo que não ouça, sabe o que é. Já aqui no Brasil, o público não é tão grande (aqueles que) ouvem e basicamente só conhece quem ouve. 


Eduardo Sales Filho – Acaba sendo engraçado que a maneira como o público de podcast aumenta ainda é com a propaganda boca a boca. Os grandes portais que fazem podcast, como você comentou no início dessa conversa, não fazem podcast no sentido de divulgação da mídia. Porque o que eles fazem são (sic)... Como se fosse, realmente, pequenos editoriais lidos. As pessoas que escutam aquilo não entendem que aquilo é um podcast, não entendem que podcast pode ter mais do que isso. Então, basicamente é assim, eu comecei a escutar podcast, que foi uma parada que eu gostei, eu quis fazer um, aí eu apresentei a mídia para o Lúcio, para o Flávio, para a Maira, que hoje em dia fazem o papo de gordo comigo, e eles começaram a escutar. O Flávio apresentou para a mulher dele, a Maira apresentou para os pais dela e assim acaba espalhando realmente no boca a boca. 




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