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Mídia Ninja é importante, mas a grande imprensa sempre existirá
O trabalho do grupo Mídia Ninja é importante, mas isso não justifica a demonização da grande mídia. Distorções podem ocorrer em qualquer ambiente.
O Blogueiro Marcos Lemos, do FerramentasBlog, escreveu um artigo, intitulado:
"As novas mídias vão dominar o Mundo? Ou: Os NINJAS somos nós!", em que
anexava o programa Roda Vida, do dia 05 de agosto. Nessa edição do programa
foram entrevistados dois representantes do movimento (?) Mídia Ninja.
Até aí, nada demais. O fato é que algumas frases, daquelas já usadas
exaustivamente em toda blogosfera, dão corpo ao artigo do Lemos. Não quero
ser mal interpretado. Gosto muito do trabalho que ele (Marcos Lemos) faz.
Apenas discordo de alguns dos seus posicionamentos sobre esse caso em especial.
Frases de efeito como: “Este post é apenas para levantar um debate e registrar
mudanças que a internet tem oferecido ao mundo,
tornando a comunicação realmente livre e isenta.”, (grifos meus) e
“o novo jornalismo feito exclusivamente pela internet, totalmente independente (inclusive financeiramente)”,
(novamente grifos meus), me deixaram com a impressão de certa inocência da
parte do articulista.
Mudança de suporte
Eu acho realmente engraçado comentários dizendo que a nova mídia é independente
e não sei mais o quê. As plataformas estão mudando. Isso é fato. Algumas
coberturas têm sido feitas por pessoas que não são profissionais de
comunicação, os grandes grupos de mídia do passado estão falindo. Mas, as
conclusões que leio por aí são absurdas.
O trabalho da Mídia Ninja se mostra importante em alguns momentos. Daí a dizer
que são independentes, ou que são mais confiáveis do que o veículo X ou
Y…
Nenhum
veículo é independente, nenhuma matéria ou artigo é independente.
Sempre que você estiver lendo um texto, ouvindo um programa em áudio,
acompanhando uma produção audiovisual, tenha em mente que aquele produto foi
feito para te convencer de algo.
A temática foi escolhida para te convencer, as fontes foram escolhidas para te
convencer, a ordem em que os fatos aparecem, os fatos que foram omitidos, tudo
foi pensado e organizado de forma a te convencer de algo. Mesmo que isso não
esteja visível no primeiro olhar. Te convencer de algo é o mesmo que te fazer
tomar partido. Sempre existe uma intenção por trás. Não discuto aqui se a
intenção é boa ou ruim.
O blog, as redes sociais, a internet, são apenas plataformas. As fitas K7
representam um tipo de plataforma, assim como o vinil, o CD, o DVD. Nunca
ouvi ou li alguém dizendo que a música perdeu sua relevância ou que mudaria sua
forma de ser. Apenas o modo de comercializá-la se modificou.
Alguns veículos de comunicação estão desaparecendo porque seus métodos de
monetização não são mais viáveis. Qualquer um pode criar um blog, mas isso
não significa que todos somos jornalistas. Não significa que os grandes conglomerados
irão desaparecer, apenas serão substituídos por outros. O Google, Amazon,
Facebook, são apenas os mais conhecidos personagens desse metiê.
Os
blogs fazem parte do novo ecossistema
Os blogs permitiram a um número
muito maior de pessoas amplificar sua voz, de modo que era impensável há 20
anos.
Para imprimir e distribuir um jornal diário, era preciso uma equipe grande e
qualificada – e maior ainda para produzir e transmitir um telejornal. A
concorrência era limitada por esses custos e dificuldades, bem como pelo
alcance geográfico de caminhões de entrega e sinais de transmissão. No pequeno
número de organizações com meios para criar e distribuir notícias, estruturas
profissionais completas foram erigidas.
Essa institucionalização se deu primeiro em jornais e revistas; a máquina
impressora precedeu não só o rádio e o cinema, mas também o motor a vapor e o
telégrafo. A estrutura profissional de repórteres, editores, publishers e,
mais tarde, ilustradores, diagramadores, checadores e todo o resto do aparato
utilizado na produção de um jornal foram erguidos em torno de – ou literalmente
“sobre” as – gigantescas máquinas que aplicavam a tinta ao papel.
Departamentos de jornalismo de emissoras de rádio e TV seguiram o mesmo padrão,
inventando categorias e práticas profissionais para subdividir e sistematizar
tanto o trabalho como distintas categorias de profissionais envolvidos na
produção de notícias para a radiodifusão.
Foi então que chegou a internet, cuja lógica básica – a reprodução digital,
disponível universalmente, sem divisão de participantes em produtores e
consumidores – bate de frente com princípios organizadores da produção
jornalística vigentes desde o século 17. A abundância cria mais ruptura do
que a escassez; quando todo mundo de repente passa a ter muito mais
liberdade, toda relação no velho modelo – no qual o meio de comunicação cobrava
para “operar o gargalo” – pode ser questionada.
Antigas empresas, novas tecnologias
Um
tema parecido é a imprevisibilidade e a surpresa. Aqui, a explicação para a
crise atual é que mudanças recentes foram tão imprevisíveis e vieram de forma
tão rápida que organizações tradicionais foram incapazes de se adaptar. É outra
visão equivocada: ainda no fim da década de 1980 já havia projeções plausíveis
do problema que a internet causaria para a indústria jornalística e, apesar de
muito se falar da “velocidade da internet”, o ritmo dessa mudança foi glacial;
se partirmos de 1994 (ano em que a internet comercial se difundiu para valer),
executivos tiveram 75 trimestres consecutivos para se adaptar.
Relatos isolados de adaptação (ainda que triunfal) ao atual ecossistema deixam
claro quão difícil é essa adaptação. Em agosto de 2011, por exemplo, o New York
Daily News fez uma inovação na cobertura ao vivo do furacão Irene, substituindo
a página principal do site do jornal por um blog em tempo real, o Storm
Tracker.
Isso feito, o jornal despachou repórteres para as ruas. Munidos de câmeras e
celulares (em geral, o mesmo aparelho), foram registrar de tudo: o processo de
evacuação, a luta de moradores para se proteger da tormenta, os efeitos do
vento e da água em si. Essa cobertura ao vivo foi intercalada com informações
de serviços de meteorologia, de serviços de emergência e da prefeitura, tudo
ocorrendo paralelamente à tempestade.
A cobertura ao vivo da catástrofe no blog do Daily News foi um êxito e rendeu
grandes elogios ao jornal. Só que por pouco não ocorreu. O que precipitou o
projeto Storm Tracker não foi uma estratégia nova para o meio digital, mas o
colapso de uma velha. Já que a sede do Daily News fica em uma região de
Manhattan sujeita a alagamentos, a polícia limitou severamente o número de
trabalhadores que podiam chegar ao lugar no fim de semana em que o Irene passou
pela ilha. A princípio, isso não impediria que se subisse conteúdo digital no
site – salvo pelo fato de que o sistema de gestão de conteúdo do jornal fora
projetado para dificultar o acesso de quem não se encontrava no prédio.
Como dito anteriormente por Anjali
Mullany, pioneira no uso ao vivo de blogs no Daily News e responsável pela
operação Storm Tracker, a necessidade de erguer um processo de produção em
torno do CMS é um grande obstáculo (não raro invisível) a tentativas de
inovação. Nesse caso específico, o Daily News tinha pegado uma ferramenta que
podia ter permitido o acesso de qualquer funcionário do jornal, em qualquer
lugar do mundo, e acrescentado mecanismos de segurança que, na prática, faziam
o recurso agir como uma velha rotativa a vapor: o trabalhador tinha de estar
perto da máquina para operá-la – ainda que no caso a máquina fosse um
computador ligado a uma rede mundial.
A necessidade por trás do lançamento de Storm Tracker, em outras palavras, não
foi achar um jeito novo de levar informação à população de Nova York durante
uma tempestade das grandes, mas simplesmente descobrir uma maneira de manter o
site no ar quando péssimas decisões de engenharia colidiram com uma tragédia climática.
Esse foi um fator essencial no lançamento do Storm Tracker. Havia outro. Em
entrevistas com Mullany sobre o sucesso do projeto, a jornalista observou que
por sorte o Irene chegara no final de agosto e não no início de setembro. É que
no final de agosto o grosso da alta chefia estava de férias. Não podia,
portanto, reverter a decisão do pessoal de escalão inferior, que entende mais
de internet, de testar algo novo. (um triste epílogo: durante o furacão Sandy o prédio do Daily News foi alagado e os
usuários do CMS tiveram o mesmo problema que durante o Irene; passado um ano da
primeira crise, ninguém tinha adaptado o sistema para permitir a ação de uma
força de trabalho distribuída).
Durante a retirada de manifestantes do movimento Occupy Wall Street de uma
praça em Nova York, em novembro de 2011. A notícia não foi veiculada primeiro
pela imprensa tradicional, mas pelos próprios acampados, que avisaram sobre a
ação da polícia por SMS, Twitter e Facebook.
Participantes
do protesto geraram mais fotos e vídeos do episódio do que meios tradicionais,
em parte porque a esmagadora maioria das câmeras estava nas mãos de
manifestantes e, em parte, porque a polícia barrou helicópteros da imprensa do
espaço aéreo sobre a praça. Repórteres no local escondiam crachás de meios de
comunicação, pois o cidadão comum tinha mais acesso à cena dos fatos do que
gente credenciada da imprensa.
Um exemplo dessa fase de “apuração” dos fatos veio do blog de ciclismo NY
Velocity, fundado em 2004 por três fãs do esporte, Andy Shen, Alex Ostroy e Dan
Schmalz. Embora o propósito básico do site fosse cobrir o ciclismo em Nova York, seus criadores foram ficando cada vez
mais perturbados com o silêncio público e consciente diante da possibilidade de
que Lance Armstrong, sete vezes vencedor do Tour de France, tivesse apelado
para a eritropoietina (EPO), um hormônio que aumenta a resistência do atleta.
O site entrevistou Michael Ashenden, o médico australiano que criara um teste
para detectar a presença do hormônio; na entrevista, Ashenden afirmou que,
tendo testado uma amostra de sangue de Armstrong colhida no Tour de France de
1999 (que ele venceu), sua opinião era que o atleta usara, sim, a substância.
Foi uma reportagem exclusiva, no velho formato jornalístico. A entrevista, de
13 mil palavras, serviu para galvanizar a opinião de ciclistas que achavam não
só que Armstrong conquistara essas vitórias injustamente, mas que o jornalismo
desportivo profissional estava disposto a fechar os olhos para o fato. Já os
fundadores do NY Velocity estavam dispostos a buscar a verdade de forma tenaz e
pública; além de terem suas suspeitas confirmadas, no final também mostraram
que profissionais da imprensa
simplesmente não estavam cobrindo o fato como deviam – e que gente da área
em questão, com empenho e conhecimento dos fatos, podia muito bem preencher
essa lacuna.
Em resumo: temos uma imprensa que se adapta muito lentamente e temos os
comunicadores digitais que nem sempre estão empenhados em produzir o melhor
conteúdo. Pensam, antes, na forma mais
eficiente de ganhar dinheiro. Não sou inocente. Percebo que a produção de
notícias, mesmo num simples blog, demanda tempo e dinheiro, e sei que o
articulista precisa ser remunerado.
Mas, diante de tudo isso, será que não chegou a hora de um maior empenho na
produção de conteúdo em detrimento do processo de monetização? Talvez dessa
forma a blogosfera (falando aqui da blogosfera em língua portuguesa) poderá
crescer em credibilidade não só entre os usuários.
Utilizei aqui longos trechos de um comentário que deixei em outro blog (e que
não obtive resposta), mas só o fiz porque a discussão era pertinente.Post
Scriptum: recomendo o artigo do Chico Otávio, intitulado “Ninjas
querem verba oficial para sobreviver”
Retornarei ao assunto.
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