O jornalismo e a imagem do Nordeste

O jornalismo nacional explora a imagem da seca nordestina como sendo a única realidade possível. A construção do imaginário coletivo passa pelo filtro dos meios de comunicação. Necessitamos de maior atenção na forma como construímos esses simbolismos, afinal, o mito perseguido pelo bom jornalismo é aquele que prega a objetividade.

                                                                                                                                                               Foto: Stock.XCHNG


Uma das coisas que mais me impressionavam no paulista médio era a visão que ele expressava do Nordeste. Durante o período em que morei em Santos ouvi coisas realmente impressionantes. 

Lembro que um dos meus primeiros empregadores disse na minha cara que o atraso do Brasil era causado pelos baianos. Segundo ele, esse povo preguiçoso não contribui com a produção nacional e ainda por cima consome de forma parasitária tudo o que é produzido pelo Estado de São Paulo (sic).

O fato de eu ser baiano pouco importava, ele dizia tudo isso na minha cara. Uma outra senhora, também minha empregadora, perguntou se havia faculdades na Bahia.
Uma vizinha se surpreendeu ao ver pela TV os problemas de enchentes ocorridos no Nordeste. Ela não se conformava: “Mas, como? Desde quando chove no Nordeste?”, perguntava ela, confusa.

NÃO SOU O ÚNICO QUE PASSA POR ISSO

Li uma entrevista com o jornalista Audálio Dantas, na edição 384 do Jornal da ABI, em que ele reclamava de problemas semelhantes. Dantas nasceu na cidade de Tanque D’Arca. 
Segundo ele, uma cidade no pé da serra. “Tinha bastante água”, não estava situada no agreste. Mas muitos cidadãos, não só do Estado de São Paulo, acham que o Nordeste é só casinhas de taipa, chão rachado, ossos de bovinos mortos ao longo da estrada, mandacaru para todo lado e pessoas com chapéu de cangaceiro e uma sanfona pendurada.

Aí, o amigo leitor pergunta: “E de onde vem essa ideia besta?” Ora, caro leitor, vem do jornalismo. Sim, do jornalismo. Aquele que deveria informar, ensinar, aumentar a cosmovisão, desmitificar crendices. Não quero dizer com isso que não exista seca, não quero dizer que não exista miséria. Nada disso. O fato é que, não existe apenas isso.

O cidadão médio de outro estado brasileiro, qualquer que seja, conhece regiões diferentes por meio da TV, do Rádio, dos jornais, da Internet. E eu pergunto: na maioria das vezes em que você vê uma matéria sobre o Nordeste, qual é o tema?

A seca é um problema real, mas isso não significa que falte água em todo município Nordestino. No entanto, o recorte mais destacado na mídia nacional, principalmente no jornalismo, é a seca.

As novelas apresentam sotaques caricatos e personagens afetados, mas nem todas elas exploram a temática da seca. Muitas até deixam claro a diferença entre a Zona da Mata e o Agreste. O jornalismo, por outro lado, usa sempre o mesmo recorte desgastado.

Os estados do Nordeste não possuem a mesma infra-estrutura que São Paulo, o mesmo pode ser dito de todos os outros estados da União.

Está na hora dos nossos queridos comunicadores evitarem a tentação da pauta fácil. Matérias sobre a seca devem ser feitas para cobrar providências das autoridades, mas é necessário que se mostre também o outro lado. Para que os brasileiros possam entender que o Nordeste é muito mais do que seca e cangaço.


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