Conto
Um conto com final feliz
Ou como fugir das fantasias juvenis
Mais um conto que escrevi há muito tempo. Mais uma vez publico na versão original, sem as correções necessárias.
Escrevi este conto no dia 19/09/2007, ou seja, alguns meses antes da grande "hecatombe".
Lembro que quando terminei de escrever o relógio marcava 21h55min. Publiquei de imediato no meu antigo blog, mas um mal entendido com o alvo do texto me obrigou a excluí-lo das minhas postagens. Trago-o de volta.
Não que este assunto ainda tenha alguma relevância, mas não vou renegar algo que me pertence. Mesmo porque, deixa em evidência a inteligência em detrimento do achismo.
Eu morava num país de terceiro mundo, um lugar onde a média nacional era muito baixa, e os poucos que conseguiam alcançar essa média eram tidos como seres de inteligência superior. Foi neste lugar um tanto inóspito que eu conheci o cara que seria a maior influência em minha vida: o "Zé".
Diferente da grande maioria de seus patrícios, o Zé sempre procurava vencer seus próprios limites transcendendo a si mesmo quase que diariamente. A busca da perfeição para ele era uma constante. Com a simplicidade de uma criança e a segurança de um leão em caça, o Zé era aquela figura enigmática que todos que tinham o prazer de conhecê-lo acabavam por se apaixonar. Eu sempre fui apaixonado pelo Zé. Ele representava tudo o que eu queria ser, não era bonito, não era rico, mas possuía uma sensibilidade absurda, a maior aglomeração de aptidões artísticas reunidas em uma única pessoa, e a humildade de tratar a todos como iguais, sem fazer a menor distinção de sexo, cor, credo, time de futebol, ou mesmo partido político. Sempre estava disposto a ajudar a quem precisasse, e todos sabiam disso, na verdade alguns até abusavam desta característica do Zé. Era extremamente sincero, e talvez esse fosse o seu maior defeito. Sentia-se constantemente sozinho mesmo estando no meio de uma multidão e isso era notório, talvez por isso estivesse incentivando a todos que continuassem evoluindo o tempo todo, provavelmente era uma tentativa de fomentar alguém que se parecesse mais com ele. Ao que me consta, já perto dos 30 anos o número de namoradas que o Zé tivera poderia facilmente ser contado nos dedos de uma simples mão, e ainda sobraria dedo. Era um cara pacato, mas disposto a qualquer briga para defender um amigo em apuros.
Lembro-me bem do dia em que o Zé conheceu Maria. Ah... Maria! Ela era linda, jovem, e com inteligência acima da maioria das pessoas que eu conhecia. Era uma daquelas pessoas que alcançaram a média nacional muito cedo. O Zé se apaixonou quase que instantaneamente. Não sei se por causa da solidão ou por causa do desespero o Zé a considerava como sendo a mais perfeita e completa das mulheres. Logo fizeram amizade, mas o desdém de Maria por ele era nítido, mas a paixão não o deixava ver. Ele se abria para ela como jamais fizera com ninguém, queria dividir tudo que visse, ouvisse ou sentisse com ela. Maria vez por outra fazia certo esforço para se mostrar interessada nos assuntos que o Zé lhe apresentava.
Maria representou para ele o que Lou Salomé representou para Nietzsche, o que Charlotte representava para Goethe. O amor que o Zé sentia por ela era doentio. Ele perdeu muito por causa desse amor, mas estava disposto a sacrificar muito mais. O problema é que o Zé tinha assuntos pendentes que deveriam ser resolvidos, não poderia consumar esse relacionamento imediatamente como ele gostaria. O Zé então conversou com Maria e chegaram a um acordo: ela esperaria ele resolver as ações pendentes. O Zé prometeu que voltaria para sua amada tão logo fosse possível. A princípio Maria quis realmente esperar, mas a espera poderia ser longa, e apostar sua felicidade numa possibilidade futura não era exatamente o que Maria considerava uma atitude inteligente.
Resolveu então que deveria dar continuidade em sua vida e esquecer-se do Zé.
Arrumou um namorado – um cara bonitão – que era um amor de pessoa, inteligente simpático, descolado, de boa família e que além de tudo estava perto dela e poderia facilmente dar-lhe carinho quando ela mais precisasse. Não seria mais necessário ficar fantasiando sobre momentos futuros, se ela quisesse curtir uma praia, era só chamar o João – esse era o nome do namorado – e eles poderiam curtir um luau num final de semana qualquer. O fato de estar constantemente postergando os momentos, de estar apostando em possibilidades futuras incomodava muito à Maria, mas agora não era mais necessário, era só concretizar tudo o que ela desejasse. Não passou muito tempo e o Zé voltou, com os problemas resolvidos, e com muita vontade de finalmente viver tudo aquilo que ele tinha planejado.
Procurou Maria, e ela com um jeito frio e repressivo, perguntou olhando em seus olhos: - O que você veio fazer aqui? Por que você voltou? – o Zé não conseguia entender.
Tentou repassar na memória todos os detalhes do acerto para conferir se algo lhe escapara. Não... Era aquilo mesmo. Ele não tinha se atrapalhado, foi ela quem decidiu por uma ruptura. Como era típico em sua personalidade, ele tentou aquiescer discretamente com tudo. Deu um sorriso amarelo, anuiu com a cabeça e se foi. Esforçou-se para esquecer, mas era mais forte que ele. Voltou diversas vezes a encontrá-la, mas a cada novo encontro as humilhações aumentavam de forma exponencial, e o Zé acabou perdendo o pouco de dignidade que ainda lhe restara. Mas de tanto bater na mesma tecla, Maria o convenceu que um relacionamento não era mais possível. Como única solução o Zé tentava bancar o amigo, só para poder estar próximo, contemplar seu rosto, ouvir sua voz, quem sabe até tocar suas mãos? Mas, as humilhações e maus tratos se tornaram uma constante bem maior do que poderia ser suportável. Chegou um momento em que o Zé entendeu que sua presença perto de Maria já não era mais bem vinda.
Com um enorme vazio no peito, os olhos em lágrimas, mas tentando disfarçar o quanto aquilo lhe doía, o Zé foi aos poucos se distanciando e deixando Maria livre para que ela pudesse viver em paz sua nova paixão, afinal ela não queria promessas de felicidades e vivências futuras. Ela queria viver o aqui e o agora.
O Zé arrumou uma namorada, só para mostrar que não estava sofrendo, que já tinha superado a situação. Não queria parecer mais fraco do que já tinha se mostrado até então.
Mas, quem o conhecia podia claramente ver em seus olhos toda dor que sentia, toda angustia que o atormentava.
Esforçava-se para fingir que nada daquilo importava mais, mas sempre algum amigo vinha prestar sua solidariedade e isso irritava o Zé. Não gostava que sentissem pena dele. Era orgulhoso, se alguém demonstrasse compaixão era como feri-lo em ferro quente. Para se livrar deste stigma, o Zé procurou novos ares, se mudou para outro estado.
Depois disso, nunca mais ouvir falar do Zé, mas vez por outra ouço comentários sobre a Maria, dizem que ela está bem e feliz com o João, vivendo intensamente cada momento desse romance. Sem promessas vagas, sem esperanças num futuro vindouro, aplicando extensivamente o termo "carpe diem" – colhe o dia, como diriam os romanos.
J. Fagner
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