Precisamos seguir nossas vocações

vocação é chamado, a palavra vem do latim, vocare, chamar. Viktor Frankl, em seu livroMan's Search for Meaning, conceituou a vocação como sendo o sentido da vida.

Sofro preconceito desde a minha mais remota idade. Preconceito por ser pobre, mestiço, nordestino, morar na periferia. A lista é enorme. O que mais me incomodava era aquele ranço mal disfarçado contra algumas das minhas vocações.


Era sempre a mesma pergunta adaptada a diferentes situações: você desenha por dinheiro ou prazer? Você toca por dinheiro ou prazer? Você canta por dinheiro ou prazer? Você escreve por dinheiro ou prazer?

Não se cogita a possibilidade de que alguém exerça uma função sem interesse financeiro ou prazer. Menos admissível ainda é a possibilidade de custear sua vocação tirando do próprio bolso.

Não bastava que eu fosse pobre, pardo e feio, eu não poderia ter talento ou vocação para nada. Mas, vocação é chamado, a palavra vem do latim, vocare, chamar. Viktor Frankl, em seu livroMan's Search for Meaning, conceituou a vocação como sendo o sentido da vida. Aquilo que você deve fazer e que não pode ser feito por outra pessoa. Para os alemães protestantes, a vocação funciona como um dos pilares de sua cultura.


Para quem se lembrou de Max Weber, eu vou mais longe, o romance Wilhelm Meister, de Goethe, tem como temática a vocação (e merece ser lido). Durante a idade média a ética escolástica, na ideia do dever de Estado, era sinônimo de um direcionamento vocacional. Isso ficava nítido nos deveres atribuídos a pais de família, comerciantes e militares.


Mas tudo isso perdeu força depois do renascimento, depois da consolidação da burguesia. Tudo que não tiver função de produzir resultados financeiros deve existir, apenas, como válvula de escape, expressão de prazer ou hobby.


Não sei como essas questões funcionam em outros países, mas, no Brasil, temos três tipos de matrizes sem vocação:


1. os portugueses que aqui chegaram sonhando com riquezas infindáveis, mas que não conseguiram, nem mesmo, voltar para seu país de origem. Esses desenvolveram um senso imediatista, com apego ao material, alimentando seu comportamento de inveja e despeito. Para eles, todo mundo que demonstre algum tipo de vocação, é visto como desonesto ou maluco. Principalmente se sua vocação não der retornos financeiros;


2. Os negros, que chegaram aqui trazidos à força, escravizados, tirados de suas terras e de suas famílias. Reduzidos à condição de animais. Era muito difícil para um escravo, lutando pela sua sobrevivência, se concentrar em vocações;


3. O índio, que depois de ter sua terra invadida, ter seus deuses destronados, sua cultura destruída, suas mulheres estupradas, seus guerreiros degolados, não poderia alimentar qualquer possibilidade vocacional.


Diante de situação tão trágica, a vocação passou, de sentido da vida, a sintoma patológico de artistas e marginais. Sendo alimentada apenas em meios sacerdotais (em grande parte levianos).


A realização que encontrávamos no cumprimento vocacional (essencial para a saúde mental do indivíduo) foi substituída pela busca do emprego formal. Desses que não realizam o ser, mas que rendem o suficiente para alimentar uma vida de pequeno burguês e demonstram à sociedade que você está maduro e abandonou os sonhos de criança.


Qualquer ambição que estiver fora disso é vista como simples resquício pueril. Desse modo, forma-se uma sociedade de pessoas neuróticas e frustradas que buscam extravasar, durante o carnaval (época em quê a satisfação dos desejos primitivos é socialmente aceita), todas as insatisfações do ano anterior.


E como toda equação possui suas variáveis, existem aqueles que persistem, apesar disso tudo, firmes em sua missão vocacional. São os escritores que bancam a edição de seus livros do próprio bolso; o artista que nunca verá seu trabalho num museu, mas continua pintando suas telas na garagem de casa; o professor que ganha uma miséria e é constantemente desrespeitado pelos alunos, mas acredita que, se ele conseguir fazer a diferença, para um aluno que seja, já terá valido a pena, e tantos outros.


Acredito que foi por conta disso que Tom Jobim afirmou que “no Brasil, o sucesso é um insulto pessoal”. E quando buscamos o apoio dos nossos semelhantes, tudo o que encontramos é o companheirismo do fracasso. Aquela rodinha em mesa de bar, regada a cachaça e envolta em discussões sobre futebol, mulher pelada ou qualquer banalidade desse nível.


E aí de quem reclamar.

Rascunho para o meu novo livro (em produção), Manifesto do Eu pensante.

Imagem: emmanouel V./ sxc.hu

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