A República dos bestializados e os problemas do país que nascia

Luis Pereira Barreto foi um dos mais influentes analistas políticos, durante os anos que antecederam a proclamação da república. Médico de profissão, Luis Pereira Barreto escrevia artigos para o jornal “ A província ” (O Estado de São Paulo, Hoje).
 

Com base nas idéias positivistas, altamente influenciado por August Comte, Pereira Barreto idealizava a trajetória do progresso nacional, com uma visão focada primeiramente na educação e no desapego aos dogmas que segundo ele, atrasavam o avanço da sociedade brasileira.
 

O livro, “Soluções Positivas da Política Brasileira” é uma compilação dos principais artigos publicados em “A Província”, organizados pelo próprio autor, onde o mesmo expõe seus projetos para a futura república, atacando a igreja, o estado, mas, principalmente a monarquia.
 

Na verdade, todo o processo de transição da monarquia para a república foi fomentado pelos positivistas. A expressão ordem e progresso, escrita na bandeira nacional, foi tirada da fórmula do positivismo: Amor por princípio, e a ordem por base; o progresso por fim. Essa era a visão de Comte sobre os fenômenos da sociedade. A nossa bandeira foi projetada por Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos, e o desenho é de Décio Vilares. Quando a república foi proclamada, Benjamim Constant sugeriu o lema para substituir o brasão imperial. O doutor Pereira Barreto, antes mesmo de proclamada a república usou a expressão “Ordem e progresso” (sem o “amor”) como epigrafe em artigos para “A Província”.
 

Já no prefácio, de “Soluções Positivas para a política brasileira”, ele – o autor – chama a atenção para o fato de ignorarmos as nossas raízes literárias portuguesas, fato este que nos induziria a procurar novas influências em fontes não muito confiáveis, deturpando assim o sentido mesmo da mais profunda integridade da nossa cultura.
 

“É do refletido e pleno reconhecimento da nossa íntima dependência para com Portugal que poderão emanar as profundas reformas de que precisamos em todas as direções” -- dizia ele.


O primeiro artigo do livro é um pequeno ensaio com o nome de “A elegibilidade dos acatólicos e o parecer do conselho de estado”. Este ensaio é uma provocação ao artigo 141 da constituição política do império brasileiro de 1824, que dizia que todo conselheiro de estado deveria prestar juramento de manter a religião católica apostólica romana, juramento esse feito nas mãos do imperador. O principal enfoque deste primeiro ensaio é, reivindicar os direitos de naturalização dos imigrantes, que estavam completamente desamparados no tocante aos direitos civis e trabalhistas. O outro ponto era a preocupação com a impossibilidade dos não católicos exercerem funções públicas.
 

Critica severamente as preocupações exageradas sobre “a salvação eterna”, principalmente partindo elas de funcionários públicos e não de membros do clero.
 

Brada agressivamente contra o atraso educacional, argumentando que quanto mais demore o início desse processo, tanto mais demorará colher os resultados.
 

Via o sistema parlamentar apenas como um paliativo, uma fonte de transição entre o passado e o futuro, “Um simples elo na cadeia das mutações sociais em caminho para uma organização superior”.
 

Argumenta inclusive que a imediata reforma eleitoral abriria espaço para o voto dos analfabetos “Um dos principais vícios do sistema representativo é a escolha dos superiores pelos inferiores”.
 

Em outro trecho ele argumenta: “ Nada se pode, de fato, conceber de mais absurdo, de mais imoral, de mais revoltante do que o espetáculo de uma eleição, tal qual é feita por um povo ignorante, pusilânime e corrompido como o nosso”. No entanto, não existe uma preocupação real com a situação dos negros – na época – recentemente libertos. 
Todo enfoque é dado ao direito dos estrangeiros.
No livro de José Murilo de Carvalho, “Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não foi”, há uma observação sobre Louis Couty, que durante muitos anos residiu no Rio de Janeiro: “A situação desta população [Brasil] pode resumir-se em uma palavra: O Brasil não tem povo”. José Murilo de Carvalho diz que: “Seu pessimismo preconceituoso ia ao ponto de achar que não seria possível formar tal massa de cidadãos com elementos nativos. Seria necessário buscar cidadãos na Europa através do incentivo à imigração”. Veja que existe aí um paralelo entre Couty e Pereira Barreto. José Murilo de Carvalho cita também o representante inglês, Adam, que disse: “O grosso da população não se interessa por política. Os militares, poderão impor qualquer governo que o povo aceitará com submissão como aceitou a república em novembro de 1889”.1
 

Raul Pompéia certa vez escreveu: “ Desenganam-se os idealistas: o povo fluminense não existe[...] Dirão que o povo fluminense fez a agitação abolicionista e a agitação republicana[...]. O povo não fez nada disso. Um grupo de homens denodados, bastante ativo é certo, para parecer a multidão, fez o movimento abolicionista e o movimento republicano do Rio de Janeiro. Em volta desses campeões devotados acercavam-se curiosos; e foi só.2
 

Segundo José Murilo de Carvalho, “O problema não era a ausência de povo: era povo demais. Mais especificamente, era haver mais de um povo”.
 

A grande questão é que, segundo dados levantados, registrados no livro, “Os bestializados – o Rio de Janeiro e a república que não foi”, alguns poucos anos após a proclamação da república, 70% dos pontos comerciais da cidade do Rio de Janeiro eram geridos por estrangeiros, principalmente portugueses.

1. Frederick Adam a Salisbury, ofício confidencial de 16/05/1891(PRO, FO 13, 676). Adam era secretário da legação, substituindo George Windham que viajara à Inglaterra.
 

2. POMPÉIA, Raul. Obras. v. IX, p. 365, 373-4.


Você também pode gostar

0 comentários