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Sinto falta dos repórteres escritores
O treinamento básico para qualquer escritor não é a escrita, é a vida. Explico: antes de sentar para escrever alguma coisa é preciso ter vivido. Quando o autor escreve sobre assuntos dos quais não tem experiência o resultado é, quase sempre, superficial, pobre, soando falso e pueril.
Talvez por isso, no passado, muitos escritores passavam um tempo trabalhando no ofício de repórter. De preferência na editoria de Polícia. Depois de alguns anos cobrindo casos escabrosos, tendo que conviver com polícias e bandidos – suspeitos inocentes e culpados –, aprendendo os trejeitos e dialetos do mundo marginal, o indivíduo pedia licença do ofício de repórter, se trancava numa cabana no interior e, durante alguns meses, trabalhava em seu romance.
Outros, talvez por falta de vocação jornalística, buscavam experiências como mochileiros, atravessavam o país dirigindo um carro ou pilotando uma motocicleta, participando de experiências que a maioria dos mortais não se atrevem a demonstrar interesse. O interesse, é claro, existe, mas as convenções sociais não nos permitem verbalizar em público sem o risco da reprovação. A solução para diminuir as neuroses causadas pelas frustrações do desejo reprimido se dá no consumo de ficção – ou de histórias reais – sobre os assuntos de nosso interesse.
É importante lembrar que, para esse tipo de literatura existir, tem que existir quem as viva para depois poder contar.
Leio em diversos sites sobre a publicação do livro “O prazer é todo nosso”, de autoria da Lola Benvenutti. Lola é um pseudônimo inspirado na Lolita de Vladimir Nabokov. Formada em letras, ela assume que o ofício de prostitua foi uma escolha.
É cedo para dizer, mas essa repercussão cheira a exibicionismo. O número de meninas que gostam tanto de sexo a ponto de se prostituir ou, nas palavras dela, fazer "caridade" (transar, roçar ou se submeter a situações de cunho sexual sem ligação afetiva ou interesse financeiro) é tão grande que não justifica as atitudes narcisistas que ela vem executando.
Ao que me parece, ela está - como muito escritor principiante - se deixando influenciar pela mitologia em torno de Charles Bukowski. Ele era um escritor com um estilo virulento, cru, quase agressivo. Dentro da mitologia que se prega sobre ele dizem que viveu intensamente. Bebendo, transando, cheirando, fumando e transgredindo tudo que podia. Dentro da mesma áurea estariam o Jack Kerouac, autor de On The Road, e Vladimir Nabokov, autor de Lolita.
Em resumo, fico com a impressão que ela está tentando representar a mística em volta de alguns de seu ídolos literários. Para isso está usando o apelo ao sensacionalismo. Como o sexo vende, esse primeiro livro – com lançamento na Livraria Cultura, no Conjunto Nacional – fará sucesso. Vamos ver por quanto tempo ela conseguirá manter. Torço para que não seja autora de um livro só.
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